sexta-feira, 19 de março de 2010

É a isto que se chama rotina, não é?

O despertador toca invariavelmente todos os dias à mesma hora. São raras as vezes em que, àquela hora em que o despertador me tira de um sono nem sempre retemperante, a Madalena não está já a dormir entre nós, mãos escarrapachadas a esborrachar-me a cara. Não me levanto logo. Não consigo. Olho para o relógio e penso todos os dias, invariavelmente à mesma hora, que estou atrasada, muito atrasada. Ganho coragem. Saio da cama. De um lado o António, do outro a Madalena que já está de mãos esticadas sobre o rosto do papá. Corro para a banheira. Penso no que vou vestir. Visto-me sem vontade. A buzina da Apapol corta o silêncio característico da praceta. Mais uma corrida. Primeiro à procura dos sapatos, depois para descer as escadas para a sala, procurar as moedas que o António deixa na consola e descer as escadas para a rua. A carrinha ainda lá está. Três bolinhas, uma vianinha mal cozida e um pãozinho de leite. Às vezes levo dois pãezinhos. Mais uma corrida para casa. Pego na lancheira do Homem-Aranha. Leite com chocolate ou iogurte, bolachas ou cereais, uma bolinha ou um pãozinho de leite com queijo ou fiambre ou doce ou marmelada ou uma espécie de Nutela biológica que a dedicada avó Paula arranjou. Lancheira na porta para não me esquecer dela. Cozinha outra vez. Pequeno-almoço para o Tiago. Pequeno-almoço para a Madalena. Pequeno-almoço para mim. Antes de voltar a subir as escadas a correr, preparo uma sandocha para o almoço, lavo uma peça de fruta, escolho um iogurte. Subo as escadas para o andar de cima. Já abri os estores do Tiago e do quarto onde a Madalena esborracha com as mãos o rosto do papá. O Tiago não reage. A Madalena lança logo o seu sorriso charmoso ou, nos dias mais azedos, o seu meio choro de descontentamento. O Tiago acorda a custo. A Madelaena já comeu e já está refilar porque não quer tirar as meias ou porque não se quer vestir ou porque sim. O Tiago diz que lhe dói a barriga como lhe dói sempre que tem que comer. O ponteiro do relógio não pára. Mais uma corrida para o carro. Antes o drama de que brinquedo levarão para a escola. O Tiago quer a bola e as luvas de futebol. A Madalena quer o bebé. Descemos as escadas. Entramos no carro. Eles discutem no banco de trás. Chegamos à escola. Mais uma corrida para chegarmos a horas. Podia descrever o resto do meu dia, mas têm sido todos tão monótono que não quero que adormeçam a ler isto. Se é que já não estão a dormir...

terça-feira, 16 de março de 2010

Conversas telefónicas

Ele perguntou-me se eu tenho medo de morrer. Eu disse que sim. Não menti. Tenho mesmo muito medo de morrer. Acho que todos temos. Todos temos medo de não estar cá amanhã para fazer o que tinhamos marcado na agenda. Eu não vivo a pensar nisso, mas ele hoje pôs-me a pensar nisso. E enquanto falei com ele tenho que confessar que fiquei com uma lágrima no olho a pensar que, inevitavelmente, vou morrer um dia. E que esse dia tanto pode ser daqui a 50 anos como hoje, amanhã, depois de amanhã. Ele, que tem um cancro, diz que não tem medo da morte. Tem mais medo de viver mal a vida. E também de lágrima no olho eu pensei como, às vezes, vivo mal a vida.

Que raio... Se ouvirem falar de uma jornalistazeca que se emocionou a falar com o António Feio, assumo: fui eu. Eu gosto dele. Simpatizo com ele. E estou realmente triste por ele estar doente. Mas hoje estou passada por ele me ter posto neste estado parvo de nostalgia.

segunda-feira, 15 de março de 2010

A minha menina

A piada de ter um filho e uma filha é poder ver as diferenças entre um rapaz e uma rapariga. E chegar à conclusão de que com apenas dois anos a Madalena já é mesmo uma menina.

A Madalena acorda e com um gesto elegante e quase sensual afasta o cabelo dos olhos.

A Madalena acorda e depois do gesto elegante e quase sensual pede um ganchinho para o cabelo não lhe ficar a tapar os olhos.

A Madalena gosta de roupa.

A Madalena delira com vestidos.

A Madalena adora receber presentes e dá gritinhos de alegria quando vê que é roupa.

A Madalena gosta de pôr cremes.

A Madalena adora dizer "A Mahena é linda".

Sou só eu ou...

... toda a gente acha inacreditável o folclore que os pais do pequeno Diogo fazem na imprensa? O pequeno Diogo, que por acaso é sobrinho do Simão Sabrosa, morreu há precisamente um ano quando foi levado por uma onda. Um drama indescritível, principalmente para quem, como eu, tem dois filhos e começa logo a pensar "e se tivesse sido com eles?". Que os senhores chorem, berrem, atirem-se ao chão consumados pelo dor, eu percebo. O que eu não consigo entender é que gostem de ter a imprensa ao seu lado quando choram, berram e atiram-se para o chão consumados pela dor. O que se passa com esta gente? No Natal fizeram uma produção para uma revista a falarem da dor de ter perdido um filho. Falar faz bem, mas darem uma entrevista com fotos junto à árvore de Natal e etc e tal? Irem lançar flores ao mar para recordar O FILHO QUE MORREU HÁ UM ANO e posarem para as fotos? Mas esta gente droga-se ou quê? Agora são figuras públicas porque a 15 de Março de 2009 uma onda lhes roubou um dos seus tesouros e, por acaso, esse tesouro é sobrinho de um futebolista de renome? Não é por ser jornalista que neste caso quem menos culpo são os jornalistas. Neste caso COMPLETAMENTE ABSURDO culpo os paizinhos que parece que estão a adorar sofrer, principalmente se esse sofrimento se estampar nas capas de todas as revistas e jornais.
Estou mesmo indignada.

domingo, 7 de março de 2010

Todos temos uma história...

... todos somos filhos de alguém, todos nascemos em algum lado, todos temos alguma coisa para contar.
Quem acha que quem enche as páginas das revistas cor-de-rosa é que tem uma história fora de série, vive amplamente enganado. As revistas cor-de-rosa são feitas para sonhar. As pessoas que aparecem nas revistas cor-de-rosa normalmente aparecem na televisão. E é só essa diferença que há entre "nós" e elas. E como aparecem na televisão despertam curiosidade e como despertam curiosidade dão entrevistas e essas entrevistas estão, muitas vezes, cheias de palavras vazias que, nem é preciso ir ao fundo, não dizem rigorosamente nada.
Apercebi-me há poucos dias que embora tenha uma só profissão divido-me em duas para desempenhá-la. Durante o dia vivo em tons cor-de-rosa, à noite e dias de folga vou à procura do cinzento ou, simplesmente, da realidade. E é nesta realidade que me apercebi que todos temos histórias para contar.
Já conheci a mulher que ia morrendo no parto, que não quis dar o nome do pai ao filho, que mentiu em tribunal, que se casou, que levou pontapés que a deixaram com marcas graves no corpo, que se se separou, que voltou a encontrar o amor e que agora está tão, tão feliz.
Já conheci o casal que se apaixonou quando ela tinha mais de 80 anos e ele perto de 90, que se olham como adolescentes, que gostam de dormir de mão dada e que passam horas a contar anedotas um ao outro.
Já conheci a mulher que declama poesia, que tem aulas de informática, que toca piano, que quer escrever novelas, que bebe um copo de uísque todos os dias, que tem mais de 70 anos.
Já conheci a mulher que esteve anos a tentar adoptar, que queria uma menina, mas que ficou com dois rapazes, que dormiu de mãos dadas com eles na primeira noite, que os ama como se sempre tivessem sido seus.
Já conheci o homem que tem três filhos, que não fala com dois deles, que se apaixonou por uma mulher, que passou a amar as seis filhas dessa mulher, que fala pouco, mas que tem inúmeras palavras de amor quando se exprime sobre as suas meninas.
Gosto de ouvir histórias. Acho que todos temos uma história. Quero ouvir ainda mais histórias.

terça-feira, 2 de março de 2010

Quem diria...

As coisas que se aprende na Loja do Cidadão, nos Restauradores, mais precisamente no Governo Civil de Lisboa: quando tiramos a fotografia para o passaporte temos que ter as orelhas à mostra. Porquê? Porque não há duas orelhas iguais e porque as orelhas ajudam a identificar muita boa gente que para aí anda. Quem diria...

segunda-feira, 1 de março de 2010

Já chega, tá?

Há uns tempos li uma reportagem onde alguém muito entendido na matéria dizia que se não existissem as catástrofes naturais o mundo não tinha espaço para toda a gente. Ora bem, entre tsunamis, terramotos, maremotos, dilúvios, tempestades, cheias, furacões e mais sei lá o quê julgo que já morreram pessoas suficientes para cabermos todos. Agora chega, tá? Um bocadinho de tréguas, por favor.