domingo, 15 de junho de 2008

Ovos fritos com chouriço

Tinha uns olhos azuis pequeninos escondidos atrás de uns óculos de ver de aros grossos. Andava de boina. Era magrinho e não gostava muito de comer, coisa estranha para quem vive com a minha avó - a melhor cozinheira do mundo. Era barbeiro, pintor, carpinteiro, homem de sete ofícios. Gostava do campo, de trabalhar a terra, de passear os animais. Era teimoso - "como tu", diz a minha avó. Teve um carocha verde alface com que me ia buscar à estação de comboios de Mato Miranda. Tinha um relógio de parede que tocava as doze badaladas. Enchia o meu quarto de DumDum para eu não ser engolida pelos mosquitos. Gostava de rir, de crianças, de mulheres bonitas. Gostava da minha avó. Amou-a com todo o seu coração. Não gostava muito de comer, mas adorava doces. De manhã bebia uma enorme caneca de café com leite, juntava-lhe pão e muitas colheres de açúcar. Levava-lhe Guylians, os seus chocolates preferidos que escondia na gaveta da mesinha de cabeceira. Tocava acórdeão. Fazia um assobio engraçado com as mãos que deixava o Tiago a rir às gargalhadas. Ficava admirado com os telemóveis e como a minha avó manuseava-os tão bem. Não gostava de água e jurava que nunca tinha bebido um copo desse líquido. Era dele a expressão "ovos fritos com chouriço." Era o Lelinho, o sr. Carvalho, o avô Carvalho ou o avô Cardoso. Despedia-se de mim sempre com um abraço e um até breve. Agora ficam estas recordações. Boas. As melhores.

2 comentários:

Pedro disse...

Oh Mónica como me identifico contigo neste manifesto simples mas cheio de amor, ternura e - já -cheio de saudade

Perder um avô é o mais natural da vida. Quanto mais tarde melhor. Eu, tal como tu, tive "a sorte" de só os perder quando já era bem crescido. Quando já os tinha namorado da melhor maneira possível.

ao ler o teu post lembro-me de quando era novo e, nas férias, levava a minha flauta para ensaiar para as aulas de ed. musical. com esse gesto inocente mal sabia eu que estava a contribuir para uma recordação daquelas que duram até à hora da morte. "então pedro, quando trazes a tua flauta para tocares para nós?"

e o dia em que lhes disse "não se preocupem porque um dia hei-de ser médico para tratar das vossas doenças todas!"... no que eu me fui meter!! já mais velho, e na brincadeira, não havia reunião familiar em que isso não me fosse saudavelmente cobrado quando uma dor mais forte ou um bater de coração mais fraco surgiam.

não tenho jeito nenhum para mensagens "de sentimentos". sou mesmo o pior nesse capítulo. se quiseres deixo-te aquilo que me consolou a mim (pouco) quando os meus super-avós me deixaram: para uns chegarem outros têm de partir. (tenho a certeza que entendes esta parte de forma bem particular)

quando caí em mim, consegui sorrir de uma forma até um pouco invejosa, com alguma dor de cotovelo à mistura: viver até aos 80 e muitos, ver os filhos crescer, os netos (lindos) chegar, ter uma vida difícil mas com muita coisa boa pelo meio, vermos uma família bonita e amiga... o que mais podemos querer? afinal não são as coisas simples as mais belas do mundo? e o valor de uma gargalhada de um neto? ver esse neto crescer e "ser alguém na vida"? ver um bisneto chegar e também ele rir à gargalhada com o assobio giro que fazemos...

fica com o meu beijo para ti...

Anónimo disse...

Minha querida
Como compreendo as tuas saudades. Sempre bem disposto. Há muito tempo que não o via, sei o AMOR que lhe tinhas e ele por ti, daqui mando-te um grande beijinho e Força!
E se os "nossos" estavam à espera dele para formarem outra vez a "nossa família" e nos guiarem por este mundo tantas vezes complicado? Assim esperemos e beijinhos da tia chorona